Quanto custa realmente um euro?
Vamos falar sobre preços, impostos e despesas. No final, deixamos-te uma calculadora para encontrares o teu Salário Digno Independente.
Como deves calcular o valor do teu trabalho?
Preço/Skill? Preço/Mercado? Preço/Hora?
A primeira resposta que se costuma dar é uma fórmula quase matemática com o valor das tuas skills ou capacidades. A partir daqui, só terias de calcular quantas horas demoras e quantas horas podes permitir que o projecto se arraste e está feito: tens um valor mínimo e um máximo para cada projecto ou serviço e orçamentas um intermédio.
Porém, se esta for sempre a tua lógica, o máximo de rendimento que podes auferir é sempre o mesmo:
Partindo do princípio que consegues imputar aos teus clientes despesas de deslocação, horas de reunião, orçamentação e tempo ao telefone, ainda te sobram actividades de auto-promoção, gestão e até as horas a arrumar o local de trabalho, que não podem ser esquecidas.
Quando começas, aceitas estas actividades menores como necessárias e como um investimento em formato de tempo que tens obrigatoriamente de fazer. Mas, aqui, o objectivo não é o de encontrar um preço acessível para os clientes para que sejas contratado, mas o de encontrar o valor necessário para que a tua vida seja digna e todos os actos em volta do trabalho sejam devidamente pagos.
Qual é o preço do teu tempo? Qual é o preço da tua experiência? E do teu mérito?
Quando se fala nestes termos, somos forçados a empurrar o ego contra a parede e cunhar um valor ao nosso mérito. Mas a verdade é que o valor do nosso trabalho não é o nosso valor individual ou sequer enquanto profissionais.
Há algumas questões bastante técnicas e lineares que te podem limitar e ajudar a perceber como deves atribuir um valor a cada projecto:
Perceber que gastos tens enquanto indivíduo. Esta secção é de carácter sensível. O patamar da sobrevivência e, mais que isso, o da vivência, devem ser garantidos sempre: habitação e despesas associadas, alimentação, transporte, educação de filhos, apoio a pais e avós, gastos com saúde, etc. Não te desrespeites no presente ao baixar o teu valor, e sê sincero com as tuas necessidades actuais. Ao mesmo tempo, projecta para o futuro e escala a pirâmide das necessidades.
Analisar que gastos tens enquanto trabalhador. Podem ser directos (gasolina, papel, computador, etc); ou podem ser indirectos como manutenção de stress (para profissões onde o stress é uma constante) ou a manutenção física (para áreas fisicamente desgastantes).
Manter um fundo de emergência. Este é um ponto pouco compreendido na comunidade em geral. O preço/hora de um trabalhador independente não pode ser calculado tendo por base o preço/hora de um trabalhador com contrato, dependente, que tem uma segurança maior. Quando falamos em prestação de serviços esporádica, tens de ter em conta que precisas de construir e manter um fundo de emergência a conta-gotas, a partir de cada projecto.
Impostos e contribuições. Aqui a coisa é bastante técnica. (Quase) toda a gente os paga. E toda a gente os deve pagar. As regras são matemáticas e imparciais, e deves tê-las em conta sempre que calculas um preço.
Peguemos num Euro.
Quanto deste Euro são impostos, lucro, poupança, despesas fixas?
Porque cada caso é um caso, vamos analisar a situação da Rita. A Rita é gestora de redes sociais e tem gastos e rendimentos dentro da média nacional. Com a sua actividade profissional, a Rita consegue pagar os seus gastos pessoais, profissionais, ao mesmo tempo que constrói um fundo de emergência.
Gastos Pessoais
Renda: 300€ + Alimentação: 175€ + Despesas fixas: 125€ + Extras e Transporte: 250€
Total: 850€Gastos Profissionais
Computador Apple (a durar 7 anos): 3000€ = 35€/mês
Escritório e despesas (num co-work): 100€
Extras de material: 50€
Total: 185€Fundo de Emergência
5% parece pouco, mas depois de já teres uma estrutura para emergências, deve ser o suficiente. Não deixes de a criar. Há sempre azares na vida e no mercado: pode chegar o dia em que ficas sem trabalho novo durante meses – tens de ter onde te agarrar!Impostos e Contribuições
Retenção na fonte de IRS: 25%
Segurança Social: (Salário Bruto x 70%) x 0.214
Total: 40%
Se somarmos as nossas despesas com os impostos, obtemos as seguintes percentagens e acabamos a descortinar o nosso Euro:
0.45€ Habitação, alimentação e outros
0.10€ Despesas de Trabalho
0.05€ Fundo de Emergência
0.40€ Impostos e Contribuições
Mas então, como calculas o teu salário bruto?
Vamos chamar-lhe SDI – Salário Digno Independente.
A questão do salário de um independente é uma questão sensível e com ela vêm muitas questões sobre precariedade e instabilidade financeira. Mas isso não tem de ser assim. É importante que te pagues um valor estipulado como salário, mesmo quando factures mais (para que tenhas, nas tuas finanças profissionais, dinheiro suficiente para que, quando factures menos, te possas pagar o mesmo valor).
Tendo em conta tudo o que foi mencionado acima, e ainda no exemplo da Rita, percebemos que, por cada euro que a Rita factura, a Rita recebe para as suas despesas pessoais 0.45€, pelo que, extrapolando a informação, facilmente percebemos que cada Euro lhe custa realmente 2.21€.
Então, para ter 850€ para despesas pessoais, a Rita tem de facturar pelo menos 2052€ brutos por mês de trabalho. É uma conclusão que custa ler, mas este é o cenário ideal. A Rita consegue trabalhar apenas 11 meses por ano e ter direito aos tão merecidos 22 dias de férias. Em cima disto, a Rita arrecada ao fim do ano 1128€ em Fundo de Emergência, paga os Impostos e Contribuições na totalidade e, com as despesas pessoais e profissionais que vai apresentar na Declaração de IRS, vai receber um reembolso no ano seguinte, somando ao Fundo de Emergência de cariz profissional, uma poupança pessoal para gastar como quiser.
Contas feitas, o valor hora da Rita é então de 12€.
No futuro, vamos escrever sobre salário mínimo e viver mês a mês, mas o objectivo desta primeira abordagem é dizer-te para onde deves apontar: uma vida digna onde o teu trabalho é bem pago, te dá segurança e te permite olhar e planear o futuro.
Agora sabes calcular o teu valor digno.
E o céu é o limite.
A partir daqui, deves fazer um esforço por estudar a tua área. Não tenhas vergonha: pergunta, procura e investiga. Usa os teus pares – e não os clientes – para definir o teu valor: lembra-te que todos os orçamentos que enviares vão ser renegociados ou adjectivados. Geralmente (mas não sempre), quando um orçamento é aceite sem negociação é porque está abaixo do valor do mercado. Descobre qual é esse valor e actualiza preços anualmente (se não os aumentares, ao menos repensa-os.). Não deixes que te cunhem com termos como 'caro' ou 'barato': só tu podes definir o teu preço.
Para te ajudar a fazê-lo, criámos uma calculadora de salário para que possas definir o teu SDI e o teu salário ideal ou desejável.
Percebe o teu sector. Respeita a tua comunidade. E sê ético.
Calculadora de Salário Digno Independente
Calcular preços é sempre uma dor de cabeça, especialmente quando ainda estás a dar os primeiros passos e não tens noção de quanto tens de pedir.
Esta calculadora está pensada para que estudes quanto queres ganhar.
Faz download e guarda esta calculadora para que possas ir estudando e actualizando o teu SDI.
Contas feitas para um trabalhador de Categoria B com código previsto do artigo 151º do CIRS.
A retenção na fonte não tem em consideração o teu escalão de IRS. É um valor previamente definido, que não tem em conta as tuas despesas em regime simplificado ou em regime de contabilidade organizada (mais sobre isso mais tarde). Geralmente, na maioria dos casos, este valor ultrapassa o valor da colecta de IRS liquidada, calculada na declaração e liquidação de IRS efetuadas no primeiro semestre do ano fiscal seguinte.
Esta é a fórmula básica e automática de cálculo dos pagamentos à Segurança Social. Aqui, ainda podemos requerer um acréscimo ou redução de 25% do resultado desta fórmula (mais sobre isso mais tarde).
Valor calculado através da soma de despesas previstas nos 4 pontos, num total de 1881,13€/mês.
Tem em conta que os valores aqui são exemplificativos e que na prática a realidade é um pouco mais benevolente. Há um escalão de isenção de IRS e, caso te situes nesse escalão, a tua percentagem de impostos apenas irá incluir Segurança Social, descendo consideravelmente. Para além disto, um caso como o da Rita apenas seria taxado em IRS em 75% do que ganha, mesmo que faça retenção sobre 100%, tendo direito a um reembolso considerável de IRS, no ano seguinte. Como dizemos no ponto anterior, a Segurança Social também te permite uma redução de 25% do valor calculado para pagar, pela qual podes optar (o que irá diminuir o valor da tua contribuição e, consequentemente, o valor dos teus benefícios). Há alguma flexibilidade para gerir este valor apresentado.